terça-feira, 11 de outubro de 2005

Triste sorriso

Desprezo esse lugar
Que a violência ocupa,
A fome mata
E a hipocrisia fascina.

Gosto do meu lugar.
Onde um sonho bom é realidade.
Onde há um brilho eterno.
Onde existe vida!

Um sorriso triste.
Uma recordação nefasta.
Um passado obscuro.
Uma dança macabra.

Pensamento de que tudo pode melhorar.
O roubo e a miséria não existem.
Olhos cegos pelo capital.
Pesadelos angelicais.

Acredito no sorriso,
Aquele radiante e espontâneo.
Sorriso sem medo.
Canção de ninar.

Dormindo e sonhando,
Tecemos um mundo
Com paz, amor, caridade

E tudo aquilo que vem do coração!

Livro familiar

– Eu estava pensando como a vida é frágil. Tudo que construímos será ruínas, mesmo que tentemos passar nossas histórias de vida para nossos filhos, nossos netos e assim por diante. Um fato importante para mim, nunca terá igual importância para você. Envelhecemos sabendo disso e por isso sofremos.
– Deus deu ao homem um grande presente que o torna diferente dos animais comuns. Saber pensar. Porém, esse pensamento não é somente benigno. Através dele, as pessoas sabem que a vida é efêmera e sofrem ao saber que podem morrer a qualquer momento e perder tudo aquilo de bom que elas mesmas construíram.
Ouvi aquelas palavras e refleti o dia todo. Não compreendia direito o que elas significavam, mas sabia que eram verdadeiras. Gostava de saber que eu tinha minha família e meus amigos, sem lembrar que todos vão para nunca mais voltar. Sem saber que, no final das contas, eu estaria completamente sozinho.
Mais um dia começava. Passei a manhã inteira na escola, depois fui para casa. Almocei com minha família, estudei e, então, resolvi ir ver o que passava na televisão naquela hora. Mudei de canal diversas vezes até que uma notícia me chamou a atenção. Um senhor havia falecido, após ser atropelado por um automóvel. Assisti tudo com atenção.
Seu nome era José Alfredo, tinha cinqüenta e nove anos. Morava com a mulher e seu único filho, que era tetraplégico, numa bela casa em um bairro nobre. Trabalhava desde os nove anos na oficina do pai ajudando no que fosse possível. Havia perdido a vida por culpa de uma criação do próprio homem. As pessoas assistiam à sua morte com pena, mas tudo aquilo, logo seria esquecido. Uma pessoa comum deixava a mulher e o filho doente a mingua. Ninguém ligava mais para aquilo. A vida de José terminava ali, mas o tempo continuava a passar.
Ele estudou e trabalhou toda a sua vida para não dar a sua infância para seus futuros filhos. Não queria que faltasse nada à sua família, por isso dedicou cada segundo do seu tempo para projetar, não o seu futuro, mas o dos seus filhos. Sua maior dor era saber que morreria e não tinha tempo para aproveitar as belezas à sua volta. Queria ficar para sempre com seus pais, com sua esposa, todavia não podia.
José queria ser feliz. Superando todas as barreiras, ele construiu um mundo melhor para a mulher. Seu filho nasceu com uma doença sem cura. Não podia movimentar os membros e ficou fadado a residir em uma cama. José sofreu no começo, mas entendeu que aquilo fazia parte da vida. Ele construiu tudo aquilo para amenizar a doença de seu filho e fazê-lo viver sem dor.

Sua vida ficará registrada em um livro para que gerações futuras entendam que, apesar dos obstáculos e de sabermos que iremos dormir para sempre, devemos aproveitar tudo que nosso destino nos mostra. Cada chance é preciosa e saber agarrá-las é muito importante. A vida é um caminho com várias estradas, essa foi a lição que José Alfredo me mostrou.

A menina que não sabia ler

Mônica é uma deficiente visual desde que nasceu. Nunca havia visto o pôr-do-sol, a lua cheia nem um arco-íris. Vivia em casa, geralmente solitária, ouvindo algumas canções e histórias sobre bruxas e fadas contadas por sua mãe. Ela aprendera muito pouco sobre a vida das pessoas saudáveis. Costumava imaginar como seria o mundo ao seu redor, a natureza, a forma das casas e edifícios, utilizando os seus outros sentidos.
Estava chegando o nono aniversário de Mônica. A mãe da menina perguntava todos os dias o que a garotinha gostaria de ganhar nessa data. Ela sempre respondia a pergunta da mãe com as mesmas frases:

– Quero apenas que toda a minha família esteja unida a mim nesta data tão especial. Não exijo presentes materiais. Exijo apenas sua presença, mamãe, e a do papai. Convide também a nossa querida vizinha. Ela sempre fica comigo quando você tem que sair.
A mãe abraçou a filha com tanta força, após escutar aquelas palavras, que a menina forçou a respiração.
No dia do aniversário, Mônica e sua família rezavam quando a campainha soou. Era a vizinha e sua filha, que tinha a mesma idade que Mônica completava no dia. A garota olhava para a aniversariante com desprezo, enquanto a mesma abraçava-a com ternura e agradecia pela presença.
Enquanto seus pais conversavam com a vizinha, Mônica iniciava uma conversa com Lúcia, a filha da vizinha. A aniversariante contava como era o mundo na sua cabeça, o quanto era bonito o canto dos pássaros e como a sensação da brisa do vento no rosto era gostosa. Lúcia não se interessava pela conversa da menina, parecia não ouvir tudo aquilo que lhe era dito. Então, ela interrompe o pensamento de Mônica e diz:
– Não agüento mais ouvir suas metáforas! Você não passa de uma cega que não sabe o que é viver. Parece acreditar que o mundo é um conto de fadas, que os problemas não existem. A violência, o preconceito, a miséria estão em todos os cantos desse mundo! Será que você não enxerga isso? É mesmo, você não pode ler, não freqüenta a escola e não sabe quão dolorosa é a realidade.
Mônica escutou tudo aquilo e sorriu.
– Eu posso não ler livros ou estudar na escola em que você estuda, mas eu sei que o mundo está doente. É por isso que tento criar o meu mundo. Um lugar onde a felicidade seja o direito de todos. Manter a paz, a generosidade e a honestidade são os nossos deveres. Acreditar nesse mundo me dá forças para querer viver intensamente ao lado da minha família, cultivando o amor. Eu posso não ver com os olhos, todavia eu vejo com o coração. Se todos enxergassem o mundo dessa maneira, estaríamos salvos.

Lúcia olha para Mônica rapidamente e retira-se da festa.