Não consigo recordar com exatidão que lugar era aquele. Parecia-me uma espécie de corredor de ônibus de viagem, com pessoas sentadas em seus aposentos em filas laterais.
Deixei minhas malas em umas das cadeiras, pareciam ter três cadeiras lado a lado, e saio de cena. Recordo rostos conhecidos a entrar em carros, colegas de trabalho ou de época escolar.
O telefone toca. Atendo, voz conhecida.
- Proteja-a, proteja-a, proteja-a! Tome cuidado com ela, preste atenção nela. Cuidado, cuidado, cuidado - uma voz familiar do outro lado da linha a me alertar.
Um tanto incompreensível aquele telefonema... Respondi que estava tudo bem, que não precisava se preocupar, pois nada iria acontecer.
Caminho entre as filas de cadeiras, entre a qual estavam minhas bagagens e a anterior a ela. Noto uma presença desagradável, uma aura alusiva à ira. O calor repentino na cabeça e a percepção de que você está sendo incompreendido.
Uma velha gorda e vestida de rosa, cabelos brancos e rosto roliço. Lembrava levemente a senhora com transtorno bipolar, só que bem menos bisonha e bem mais bizarra (no sentido depreciativo da coisa).
Resmungava sentava na minha cadeira para uma mulher na fila a sua direita, impedindo-me de passar entre as cadeiras. Fiquei mudo, escapei de suas teias macabras e fui ver se estava tudo bem com a mana.
Corte de ar e o miado do gato. Um miado agudo, frenético à madrugada. Que miado irritante, era um choro, uma lamentação às escuras. Deu medo. Almas penadas vagando pelo meu território. Não queria registrar esse momento naquele momento.
Retornei aos meus assentos e a velha gorda lá. Mais irritante dessa vez. Mais medonha, tosca e obesa do que antes. Uma lorpa. Fétida. Uma mulher funesta a me desafiar com olhar indiferente e ao mesmo tempo ofensivo.
Tentei retirar as minhas malas daquelas cadeiras quando ela, acho que para insultar, diz algo como:
- Essas malas não são suas, meu querido.
Não entendi. É claro que são minhas! O que ela queria, roubar-me? E tento puxar minhas malas a força.
- Não vou lhe dar as malas. Elas não são suas. Como posso ter certeza que são suas?
O que é que essa mulher queria? Que eu provasse que as malas são minhas, quem é ela? A justiceira-mor dos meus sonhos?
- Minha senhora, devolva minhas malas. Elas estavam aí por que eu as coloquei, esses assentos estão reservados para mim.
Ela ignorou e insistiu em segurar as bagagens na cadeira.
- A senhora está de brincadeira comigo? O que a senhora quer afinal, irritar alguém?
Não lembro se ela disse mais alguma coisa, talvez tenha dito. Só sei que o gato miava e miava e miava. O sono havia acabado e com ele o sonho.
Pela janela vi dois gatos que nem sabia que existiam ali. Dois gatos, um preto e um branco com manchas acastanhadas ou cinzas. O branco gritava e miava e chorava. Que irritante. Adentrou no mato e sumiu. O negro permanecia deitado na superfície frígida do piso de jardim.
Esquisito. Achei melhor repensar os meus preceitos e dormi novamente.
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