domingo, 30 de novembro de 2008

Braço direito

Na vertical as formigas pareciam subir e devorar o braço erguido.
A carne ia sendo consumida no toque de mãos com a senhora.
Os pulsos perdiam a sensibilidade, as mãos o tato e suavam muito.
Queria sair daquela condição, entretanto ainda não era hora.
Deveria proferir mais algumas palavras até que o ritual estivesse terminado.
O braço esquerdo era mais forte, sem nenhuma explicação aparente.
Sobrevivia àquele movimento de força oposto à gravidade.
O direito sofria, doía e queimava.
Uma chama sem cor, sem cheiro, sem fogo ou fumaça.
Apesar de ser o mais exercitado, o mais competente para as habilidades manuais, ele sofria mais.
Era um formigamento doloroso, lento e grave.
O braço direito simulava que ia sucumbir, que os cinco dedos iriam deixar de compartilhar a mesma mão.
Aquele momento estava demorando muito para acabar, trinta segundos pareciam anos.
O braço tornava-se cansado, enfraquecido naquela posição de pressão.
Até que a última palavra foi proferida, um último aperto e as mãos são desenlaçadas.
Ao descer da posição em que estava, o braço esquerdo permanecia imutável.
Reto, imóvel, seco, com todas as suas sensibilidades organizadas, talvez até frígido como sempre fora.
Já o braço direito simulava a falta de oxigenação, os nervos disparando descargas e impulsos elétricos para fazê-lo reagir.
Ele suava, perdia os sentidos, queimava por dentro e não conseguia sair da posição tortuosa na qual se encontrava por alguns instantes.
De quem era a responsabilidade, o fluxo sangüíneo havia sido interrompido? A senhora apertou a mão direita com muita força? O braço havia sido erguido de mau jeito? Ou seria simplesmente um presságio?
As formigas finalmente estavam partindo, levando seu fogo-fátuo para bem longe.
O braço direito de curvo nocauteado, para reto vencedor.
Afinal ele ainda compartilhava os cinco dedos, todas as sensibilidades e tinha força suficiente para seguir saudável na vida.

É nessas horas que lembramos de um detalhe despercebido.
Será que meu braço direito faria falta a mim?
Sem ele acho que não saberia viver.
É ele que executa boa parte dos movimentos indispensáveis nessa vida.
Será que meu braço direito faria falta a você?
Quem sabe em algum instante da vida você necessite dos meus serviços...
O meu braço direito não é igual ao seu e nunca poderá ser substituído por outro, mesmo que você implore e tente.
O braço esquerdo nunca será igual ao braço direito. Diz-se N-U-N-C-A.
Não adianta tentar substituí-lo, seja jogando as funções de um no outro, seja comprando um braço mecânico.
É por isso que devemos valorizar muito o que temos de bom, do contrário podemos perder o que nos torna especial e atrativo para outro, sendo lentamente reduzidos ao pó.

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